segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Brazil 135 Ultra

No dia 23 de janeiro último, participei da maior ultramaratona do Brazil, um evento de importância internacional que atraiu quase 80 atletas, representando 8 países.
Contarei minha experiência da prova de 2009 em alguns dias, mas decidi publicar este relato emocionante do ultra-companheiro Dr Seabra.

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Prezados amigos.

Só hoje (5 dias após) tenho condições emocionais para relatar, sumariamente, a conquista da minha equipe na BR 135.

Terminamos a prova dentro do tempo (60 h) em 56 horas e 50 minutos, sendo o número 34 na linha de chegada.

A corrida começou há cerca de dois anos, quando resolvi participar das primeiras ultramaratonas de 24 horas. Foram treinos constantes e bastantes intensos, culminando com uma média de 200 km por semana.

Além disto fizemos um reconhecimento no local de grande valia, onde pude contar com o apoio de meu filho Bruno.

Posteriormente, partimos para o planejamento da prova e sua logística.

A Rosi, minha mulher (sem sorte), se incorporou ao projeto e tivemos a felicidade de contar com a concordância dos amigos Patrícia e Raul para se fazerem presentes como “pacers” nesta jornada vitoriosa. Este casal é da minha família, apesar de não estarem no rol de herdeiros da minha "fortuna" material.

Há cerca de um mês do evento monstruoso me aparece um esporão logo após as 24 horas do Rio de Janeiro. Fizemos de tudo, mas a solução teve que ser radical: uma infiltração de corticóide na sola do pé.

Parecia que já poderia apurar os treinos, quando, faltando apenas 13 dias para o início da corrida, uma de minhas éguas, que de tão mansa tem o nome de Maria Mole, acerta um coice na minha coxa direita.

Passado o desespero de achar que não poderia competir, volto aos treinos apenas nos últimos seis dias.

Estávamos prontos. Tensos, com alguns receios, mas certos de que nada nos faria parar pelo caminho e que a velocidade prevista para cada trecho poderia ser cumprida.

Na hora da largada, ao início do Hino Nacional, me vejo cercado por vários atletas-heróis e por minha família. Meus filhos Bruno, Kátia (vinda de Natal) e Bárbara, meu neto Marcelinho, minha dedicada esposa e os incansáveis amigos/irmãos Raul e Patrícia. Descambei a chorar que pensei que ia desmaiar sem fazer um só metro de prova.

Finalmente o momento da largada. Foram 217 km de subidas e descidas gigantescas, picos com vistas lindíssimas, rios, pedras rolando perigosamente abaixo de nossos pés, mato, deliciosos cheiros de mato e de bosta fresca. Calor, vento, frio, chuva, gritos de alegria, gemidos de dor, muito macarrão de todos os molhos, águas, suplementos até não mais aguentar, noites de lua nova, sem um raio, a nos ajudar a enfrentar as trevas, o barulho ensurdecedor do silêncio, a alegria de encontrar um parceiro, os gritos de incentivo das outras equipes, a constante solidariedade.

Uma massagem aqui, um alongamento ali, mais uma subida dos infernos, um mineirinho a dizer que a chegada está uns três quilômetros à frente, o seguinte já aumenta para sete e, horas depois, um outro confirma os sete anteriores. Não vamos chegar nunca. Mais uma subida e nada de ver a cidade. Roubaram a cidade, não pode ser tão longe.... De repente, quando todas as nossas forças já se esvaíram, no alto da quadragésima última montanha, surge algo que parece o Paraíso. É Paraisópolis, a agradável cidade que nos acolhe com seu cheiro de pão de queijo e de broa de milho.

Cruzamos a linha de chegada e o chão sai de nossos pés. Flutuamos a procurar nossos amigos, filhos, a mulher franzina que nos arrastara até ali, nossos adversários (?????), não!!!, nunca!!!!, nossos irmãos de glória.

Vemos os incansáveis voluntários e finalmente o casal que nos proporcionara esta ventura, os simpaticíssimos Mário Lacerda e sua Eliane. Estes, meus amigos, são os verdadeiros heróis. Incansáveis, competentes, incansáveis e competentes, incansáveis e várias vezes competentes.

Dor? Nenhuma. Sentimento apenas de gratidão a tudo e a todos que, numa conjugação de fatores que nunca mais irão se repetir, fizeram com que esta equipe também merecesse a honra de levar para a pequena Quatro Barras a medalha de Prata da prova mais difícil do mundo, a camisa de "Finisher" que irá para uma moldura sem jamais ser usada e um diploma que espero manter em meu escritório, encabeçando meu troféus de hipismo e automobilismo, esportes que pratiquei antes de ficar velho.

Assim, amigos, relato, sumarissimamente, o que foram estes dias maravilhosos.

As fotos que estou editando irão lhes dar uma visão de um atleta nas primeiras 48 horas e de um mulambo determinado a cruzar a chegada nas 12 últimas. Sofremos bastante, mas fiz questão de reunir filhos e netos, em meus 60 anos para lhes dizer, correndo pelas montanhas, que só tem valor o que se conquista com sangue, suor e lágrimas (os dois derradeiros derramados em profusão no Caminho da Fé) e que nós somos aquilo que queremos ser.

Lamento a ausência de meu filho Marcelão e da minha linda e meiga neta Mariana, que não puderam vir, mas já combinamos que na minha comemoração dos 120 anos, nas montanhas da Mantiqueira, eles não faltarão.

Não posso deixar de me referir a algumas pessoas em especial e vou chamá-los apenas amigos: Fernando da Naffar - um gentleman, Mônica Otero - a musa da BR 135, Lacerda - o incansável fisioterapeuta e guru da minha idolatrada Jaqueline Terto e um menina fisioterapeuta que acompanhava o grande atleta Gentil e que me fez chegar correndo em Paraisópolis. Esta pessoa iluminada me ajudou tanto e de forma tão espontânea, que sequer nos deu tempo de saber seu nome (sem dúvida saberei e lhe renderei muitas homenagens).

Por enquanto é só.

Agradeço a todos pela corrente positiva e volto a afirmar que todo o mérito desta conquista se deve unicamente à minha equipe: Bruno, Raul, Rosi e Patrícia e ao “doping” de saber que iria encontrar minhas filhas e meu neto nos últimos quilômetros da estafante jornada.

Um ultrabaraço a todos.

Seabra.